sexta-feira, outubro 29, 2004


Porque há sítios com alma...



Caro Nuno Guerreiro,

Por tudo o que nos tem dado, ao longo deste ano que passou, o nosso muito obrigado.
Pelo que fez dele, os nossos sinceros parabéns.

domingo, outubro 24, 2004


"Hic et nunc, mea culpa"



Aqui há uns dias, em conversa com um recente (mas excelente) amigo católico, referi que tinha frequentado um colégio religioso. O comentário dele foi espontâneo, natural e desculpabilizante:

"Ah, andou num colégio de freiras. Por isso não é católica!"

Não me calei, então. E não calo, aqui e agora, a minha indignação por esta frase que – apesar de inócua na sua singela aparência – é grave porque resulta de (in)verdades adquiridas e esconde um enraizado fundamentalismo.

Em primeiro lugar, a ideia de que os colégios religiosos produzem mais ateus do que o Salazar produziu comunistas é, em minha opinião, profundamente errada e injusta.

Nasci numa família laica – que frequentou colégios de várias ordens religiosas – e nunca vi (ou me foi referida) qualquer atitude ou mera sugestão de pressão por parte dos religiosos.

Bem ao contrário.

Nas vésperas do meu crisma, fui falar com a freira responsável pela nossa preparação e disse-lhe, em resumo, que não podia, honestamente, confirmar a fé que não tinha, porque tudo o que tinha era uma imensa dúvida "para dizer o mínimo". A freira escutou tudo isso (e o restante arrazoado de disparates irreverentes que os meus onze anos permitiam) com um ar sério e tranquilo. E desdramatizou: "Francisca, parece-me que tem dúvidas. Mais do que certezas, tem dúvidas. E isso é bom. E é bom que se habitue a elas. As dúvidas atravessam-nos a vida. Eu também tive dúvidas antes do crisma e li, li muito…e olhe para mim agora (exibindo, sorridente, o hábito da sua ordem). Por isso, leia, leia muito mas, entretanto, faça-me um favor pessoal: crisme-se. Se voltar a não acreditar, o crisma não terá, para si, qualquer valor. Se voltar a acreditar, arrepende-se de o não ter feito."

Só os "não profissionais" revelam uma certa tendência para se sentirem ameaçados pela convicção ou falta dela nos outros.

E isso reconduz-me ao segundo vício contido naquela branda frase: o fundamentalismo – mesmo que inocentemente encapotado – dos "amadores".

A inserção num grupo ou a aceitação de integração nele por um motivo tem subjacente uma pré-exclusão onde a tolerância parece ser letra morta:

"Não é católica, mas tem uma desculpa, uma atenuante"… mesmo que essa justificação se reduza a um "passa-culpas" para a instituição dos profissionais que deveria defender-se.

Na altura dos "porquês" brandi com o Nietzsche e argumentei com o Bertrand Russell… só nos olhos dos verdadeiros profissionais vi espelhado o sorriso respeitoso e a tolerância.

Aprendi com os laicos e com os religiosos que assumir o que pensamos, admitir os erros e aceitar as ideias dos outros é a forma mais saudável de estar na vida.
Não pertenço ao grupo dos católicos (nem sequer dos cristãos) e não tenho nenhuma desculpa a apresentar, nem preciso de qualquer justificação para isso. Não sou… mea culpa.

E se os amadores – que maquinalmente batem com a mão no peito – não questionam nem assumem a sua responsabilidade pelos actos de intolerância que nos fazem cair nos fundamentalismos, isso aborrece-me mas, também, me ultrapassa.

Correndo o risco da generalização perigosa, tenho para mim que o "amadorismo" versus "profissionalismo" não se limita ao campo religioso. Estende-se a quase todos os espaços da nossa vida. E o fundamentalismo, esse grassa porque é, sempre, o resultado das cegas certezas amadoras.

Com tudo se aprende, excepto com o que se não põe em questão. Mas temos que ser nós a fazê-lo. A tentar apreender o significado das coisas…

Termino usando, abusivamente, a frase lapidar com que Thoreau finalizou o seu "Walden" (mea culpa):

I do not say that John or Jonathan will realize all this; but such is the character of that morrow which mere lapse of time can never make to dawn. The light which puts out our eyes is darkness to us. Only that day dawns to which we are awake. There is more day to dawn. The sun is but a morning star.

quarta-feira, outubro 20, 2004


A coragem

É uma mulher cheia de medos. Medos patetas, medos pequenos, medos de somenos. Medo de magoar e de ser magoada, medo de confrontar e de ser confrontada. Medo de vozes levantadas, medo de abandonos, medo de perder o sonho, medo que o sonho nunca tenha existido.

Grande e delicada, de colorido claro, voz macia, uma sinfonia de símiles fáceis de brandura e pastel, toca tão ao de leve o mundo que este quase não a sente. Viveu sempre na corda bamba do desprazer do marido, em função de uma noção de bem comum que é apenas própria. Como tal, assumia todas as culpas e oferecia todas as desculpas.

Até ao dia. O dia em que viu o mimetismo nos actos da filha. Nesse dia, pegou na criança e cortou as amarras da sua insegurança. Num supetão de asa. A maior coragem é sempre a dos timoratos.

segunda-feira, outubro 18, 2004


A sesta



Então PSL tomou uma das suas melhores decisões políticas, optou por um comportamento sensato, maduro e informado - que só pecou por escasso, mas constituiu, sem dúvida, a sua melhor actuação em prol do bem estar dos portugueses... e depois negou-lhe a existência? Só pode ser falsa modéstia.


O lápis gordo



Antigamente era o lápis azul que amputava os textos dos jornalistas das passagens consideradas gravosas para o Estado Novo.

Para casos mais complicados entravam em acção os esbirros da polícia política, ou os seus lacaios pré-carregados, despudorada, mas nunca descaradamente.

Ontem revi esses tempos em directo e ao vivo: Alberto João Jardim (AJJ) ameaça de represálias a jornalista que o interpela, perante as câmaras e os seus camaradas de profissão, descarada e despudoradamente!

O regime é diferente, os meios de protesto à disposição também, mas vai uma apostinha que o ditador não vai ter mais que um "...já se conhece o feitio de AJJ, mas a obra fala por ele"?

sábado, outubro 16, 2004


"Este outro Ofício"

Faria Costa voltou a abrilhantar, com as suas crónicas, “O Primeiro de Janeiro”.

Na primeira "justificou" o título – Este outro Ofício – jogando com os conceitos, significantes e significados num caleidoscópio cujo rigor e elegância, alguém – que não eu – bem poderia considerar inconstitucional.

Comprometeu-se com o leitor numa exacta medida: Escrevo... escolho... tenho... partilho...digo-o. Faço-o. E fez.

Na segunda cumpriu a sua promessa e foi além dela na crítica brilhante ao discurso populista de trazer por casa e na análise finíssima dos jogos que determinam o exercício e não exercício dos vários poderes.

Tentar ver. Ver. E depois dizer. Alto e bom som… E se nos disserem só isso estamos no mundo das aparências. Das nuvens de fumo. Dos biombos. É pouco. Muito pouco. Para uma sociedade democrática.

É soberbo ler num texto golpes tão certeiros em alvos tão inominadamente identificáveis.

É supremo, em silêncio, ver nele a subtil precisão duma grande partida de bilhar.

Faria Costa é o homem inteiro de que apetece – ainda que pelos breves instantes em que o lemos – ser um pedaço.

Dois neurónios que fossem... Mas bom, chega! Leiam e vejam.

Leiam aos sábados. Os "mouros" que, como eu, vivem em Lisboa podem comprar o jornal no C.C.B., os outros têm a "net" e "olha lá" (já são outras duas formas de acesso).

E vejam. E, já agora, vejam por mim, que não sei onde estão os óculos que ando sempre a perder.

domingo, outubro 10, 2004


O refugo

Num canal qualquer de televisão, a meio do noticiário, salta a parangona: estagiária ganhou processo a sociedade de advogados... a que se segue uma historieta banal - de nulo interesse - e uma entrevista em directo.

Espero sinceramente que a estagiária seja filha de um jornalista da estação e tamanha idiotice não passe de um gesto de pai babado. Que a um pai babado tudo se perdoa.

Pois, a assim não ser, amanhã vai certamente seguir-se outro grande furo jornalístico: dona de casa em carocha de 1958 ultrapassa campeão Francis Obikwelu no túnel das Amoreiras, com direito a entrevista ao cantoneiro que presenciou tuuuuuudo.

sábado, outubro 09, 2004


Um facto político, com certeza

MRS e PSL, vaidosos pirilampos, inflados na gafa de protagonismo, coabitaram sempre - em diferentes hemisférios do PSD - entre intermitentes e luzentes acrimónias públicas, quer por dissemelhantes convicções, quer por meras e politiqueiras caturrices.

Enquanto cronista semanal na TVI, MRS camuflava o seu hábito político, "travestindo-se" de professor politólogo e comentando a bel-prazer as peripécias da semana com a mestria de um hábil comunicador e a ponderabilidade de um melhor futurólogo. Com o supremo cuidado de transformar o solilóquio em amena cavaqueira de cidadão genuinamente preocupado com as prestações de quem governa e seu impacto nos governados, elevou a dica ex cathedra a referência nacional, conjecturando, conjecturando muito, conjecturando sobre tudo e nunca sobre nada.

Numa inábil, inepta e, sobretudo, amadora reacção, PSL mandatou o seu Apoderado dos Assuntos Parlamentares para proferir as barbaridades que se conhecem, nomeadamente a intenção de participar à AACS a ausência do princípio do contraditório, como confesso queixoso. Apesar de fort amusant – já agora, por que não reivindicar o princípio da economia processual, exigindo a condensação das diatribes marcelistas dos habituais quarenta e cinco para sintéticos quatro minutos -, a sua declaração configura uma sinistra tentativa de cerceamento da liberdade de expressão. O primeiro e, se calhar, o único facto político de relevância.

Com um facto destes, que engenheiro, presidente de um grupo que actua no sector das telecomunicações/media/conteúdos, onde a dependência em relação ao Estado é absurda, não teria, por antecipação, o cuidado de dar uma palavrinha, discreta qb, ao Professor, por forma a não repercutir qualquer atritozinho em futuras e prementes negociações? Seriam precisas as alegadas manobras de bastidores que tanto barulho de fundo despoletaram por aqui, ali e acolá?

E, por outro lado, teria alguma vez o nosso mais profícuo criador de factos políticos, de créditos bem firmados e basto sentido de oportunidade, a inabilidade, a ineptidão e o amadorismo de deixar escapar tão apetitoso presente de rentrée e malbaratar os calculados benefícios de quatro anos e meio de capitalização política?

A gravidade deste caso não está toda na pública pressão do ministro, ou no seu processo de intenção. Fica (mal) acompanhada pela convicção geral de que demitir um ministro é prova de fraqueza (nem a oposição externa se deu já ao trabalho de credivelmente a pedir, foi mero recurso de oposições internas a quem não ficava bem exigir mais). Mas a verdade é que era essa a boa decisão estratégica a tomar, cerceando o facto e engordando o político. Seria a demarcação. Que não houve. E, uma vez dirimido o barulho das luzes, lá estaria um gabinetezinho na João XXI à espera do apoderado.

terça-feira, outubro 05, 2004


Cardonices

Cuidavam, então, que eu iria falar disso?

Coitados dos gulosos…

Foi engano, puro e duro. Mesmo que eu não estivesse muito bem disposta – o que é o caso – não me daria ao trabalho de falar sobre a senhora que foi contratada para fazer uns serviços de limpeza na C.G.D.

Vou falar-vos da Prima, de pendor algo quixotesco, e que apesar de tão "isolada na alma" quanto na cor que veste, lutou e ganhou a peleja com o maradona, o que apenas lhe valeu um gentilíssimo sorriso estendido pelo pedemeia.

Coitada da Prima…

Não lhe bastava ser intelectual, não lhe bastava ser mulher e não lhe bastava ser adepta do clube dragontino que se tolera aos amigos porque não há bela sem senão e no melhor pano cai a nódoa.

Pois não… tinha que driblar com o post do maradona – que, no seu melhor, defendeu que nem os intelectuais nem as mulheres deviam falar de futebol – fintou o defesa central e foi goooooooolo.

Que grande frango!

Ora, depois dessas suas vitórias – e incluo nelas o recente 3-0 (coitado do Belenenses) – demonstre-se, ao menos, alguma misericórdia para quem não revela, sequer, desportivismo.

É que, se quanto aos intelectuais (e esses que se amanhem porque eu não faço parte do clube) ele ainda se deu ao trabalho de especificar que são os que nunca jogaram futebol, já quanto às mulheres, ele escreve, tão só:

"2º Mulheres"

Assim mesmo, sem ponto final nenhum.

E, aqui, de duas uma:

a) O maradona não colocou o ponto final a seguir a "mulheres" porque – vá-se lá saber porquê – queria continuar a frase com "… que tenham a pachorra de me ler."

b) O maradona não colocou o ponto final por esquecimento, pretendendo, portanto, abranger todas as mulheres.

Callad, hijas (…) que yo sé bien lo que me cumpre. Llevademe al lecho….

Pois, é bem óbvio que nós só pensamos e elaboramos sobre a realidade que nos rodeia, porque é essa que nos está próxima, que nos toca e que, no fundo, conhecemos ou julgamos conhecer.

Será que o universo feminino do maradona se reduz a um círculo de mulheres que acham que Briosa é um amaciador de cabelo, N’Dinga foi um sucedâneo do Mokambo, Vitória de Guimarães está relacionado com a fundação da nacionalidade, Pinto da Costa é uma ave marítima, Marítimo é um embarcado, linguagem dos anéis tem qualquer coisa a ver com joalharia e os penalties são pedidos nas tascas rascas?

Coitado do maradona…